Hoje, nós nos orgulhamos em dizer que o único remédio efetivo para esta pandemia foi criado pelos arquitetos: a casa! Dentro de casa estamos seguros do vírus, do clima, dos malfeitores, do barulho, da poeira, do caos. Isolados, nos sentimos então mais protegidos, com nossas famílias, nossos hábitos, nossas conversas, nossos passatempos. Mas por que, então, não estamos tão tranquilos? Por que, então, ainda paira o medo, a ansiedade e o estresse?
A nossa casa é o nosso núcleo primário de sociedade. A convivência restrita em família, que gera os laços afetivos e os ensinamentos mais básicos de sobrevivência. Mas a casa não foi o edifício projetado e pensado pelos arquitetos para as longas horas de trabalho, para a sequência de vídeos e exercícios de aprendizado das crianças, para as atividades físicas que o corpo necessita e muito menos para o lazer em grandes espaços ao ar livre, tão necessário a todas as faixas etárias. Na situação tão inusitada que estamos vivendo, um espaço pensado para as atividades básicas do morar agora se encontra solicitado a responder positivamente também a todas as outras necessidades vitais do ser humano, condição para a qual não foi pensado e nem preparado.
E será que realmente todas as casas são seguras? A classe alta da sociedade não vê o problema que acabo de apresentar, pois as residências possuem grandes áreas verdes, espaços de lazer e trabalho. A classe média consegue, com algumas adaptações, suprir algumas necessidades e realizar as atividades em espaços pifiamente reconfigurados sem auxílio profissional. A grande classe baixa existente nesse país, porém, não tem as mínimas condições de manter nem mesmo uma higiene mais acurada.
Independente da classe social à qual pertence ou da estrutura de sua casa, cada indivíduo não consegue se satisfazer somente na esfera da sua família. Enquanto seres que vivem em sociedade, nosso espaço maior de convivência é a cidade. É na cidade onde tudo acontece, onde as relações se formam, onde os aprendizados que nos fazem crescer acontecem e onde nos sentimos completamente realizados.
A felicidade, que combate o estresse e a depressão, acontece com o desenvolvimento das situações cotidianas que tem a cidade como cenário. Esse organismo vivo, em constante e acelerado crescimento, com vários problemas e dificuldades, mas também com muitas oportunidades, nos envolve a cada dia e nos proporciona uma miríade de opções de caminhos, ações e reflexos que tornam o “viver” a grande experiência do ser humano.
A casa continua sendo nosso refúgio, para fugirmos da agitação do convívio social, mas estamos ansiosos pelo nosso retorno a esse mundo externo e nos sentimos incompletos por termos nossas necessidades vitais tolhidas neste momento. Por isso é tão difícil manter o isolamento completo e não é culpa de ninguém, porque somos assim, precisamos disso; precisamos da cidade!
Hoje, temos que pensar em nos proteger e proteger as pessoas que amamos, com paciência e disciplina, aguardando o momento em que seremos completos novamente. E quando isso acontecer, vamos nos lembrar que precisamos da cidade e que precisamos cuidar dela com mais carinho!
Texto de opinião – Liane
Publicado em A Tribuna em 15 de maio de 2020